dezembro 25, 2010

Paulicéia, minha paixão!

Ao mesmo tempo em que ela é sensual
É maldita, fria e a todos faz impressionar.
Conquista com seu olhar casual
Para depois, sem cerimônias, aprisionar.

Alguns ao encará-la, encantam-se
E nunca mais dali sairão; qual pedras.
Já há aqueles que ao imaginá-la benzem-se,
Outros a esconjuram, outros lêem Esdras

E dela fogem como se vissem um cascavel
Cortam caminho. Algo que por certo Medusa invejaria.
Ambígua, ela é dura, mas, ao mesmo tempo afável.

Foi e ainda o é vilipendiada por homens sem compaixão
Mas, sobrevive, pois tem raízes sacrossantas fincadas
No pátio do colégio de São Bento. Paulicéia, minha paixão.

Élcio

dezembro 18, 2010

A Cantina

Nesses tempos de mercados globais
Onde balançam bolsas (de valores)
Ou de tolas madames (temporais);
O gelo é (de-gelo) e entre horrores

Tantos eu que nunca tive eira,
Fito a manequim no traje de organdi
Imóvel e silente com um sorriso de caveira
Na cara. Serei eu um projeto de dândi?

Penso eu: ao ponto de meter-me a cacique
Aristocrata ou qualquer tolo que imagina
Ser o mundo de diversões, um parque

Onde todos falam como numa cantina?
Que o diga o Protocolo de Kyoto e explique
Porque o mundo está na mira de uma carabina.

Élcio

dezembro 09, 2010

Sertão do Demonho!

Eu cuspi na terra rachada
Do sertão que nem molhar
Molhou; não vingou molhada.
Terra dura pra ser vivente; pra olhar.

Diabo do meio do redemoinho
Saltou e dançou, dançou aluziu.
Cuspiu na minha cara. Demonho...
Cravejo-te de bala na ponta do fuzil!

Sertão é vida e morte sertão. Melindroso!
Ou ele ajuda ou é traiçoeiro predador.
Há que ter valentia ante o desastroso;

Esquecer que vida tem. Vale nada!
“O passado é ossos em redor
De ninho de coruja.” É navalhada.

Élcio

novembro 30, 2010

Morro morro de medo

E o morro foi tomado
Morro morro de medo
O paraíso dizem é tropical
E traz o profano aos pés
Do sagrado
Braços abertos
O Cristo é Redentor
O grito na prece
Grito de redenção
A paz forçada
Por uma Copa
Uma Olimpíada
Não fossem as duas
O morro continuaria
Morro morro de medo

Élcio

novembro 17, 2010

Alcova

Na alcova, à meia-luz reinava
Uma cumplicidade e uma entrega
Que outrora foram tão desejadas
Quanto um dia de sexta-feira!

Era quando então, as carnes desnudas
E cheias de pecado, eram ali expostas
No silêncio dos nossos olhos famintos.

Os lábios mal se continham
E a língua retesada sofria
(No momento que a tudo antecede)
De uma agonia quase antropofágica.
...

Na alcova, à meia-luz... às sextas-feiras.

Élcio

outubro 22, 2010

O Caos

Quando ela chorou, tudo foi tão lindo
Que o mar em seus olhos
Apequenou-se tímido, indo
E vindo a beijar os abrolhos

Abissais onde o seu olhar lânguido,
Perdido ao distante buscou na bruma
Silente, o véu que ao ser erguido
Mensurou um coração pela pluma

Nas mãos de Anúbis deus!
Foi quando então, o universo parou.
O nada se fez todo num semideus

E o caos foi ser vivente, existindo
Na lágrima que por sua face rolou:
Quando ela chorou, tudo foi tão lindo!

Élcio

setembro 23, 2010

Dobram os sinos

Dobram os sinos a anunciar!

Será o rebento
Prestes a ser bento
Pelo batismo sacrossanto?

O casal de nubentes
Que também nova vida
Pretende iniciar?

Ou ainda, o finado
Frio e rijo que agora
É ótima pessoa?

Os sinos dobram
E estão a anunciar!

Será o finado
A ser bento
Que também
Nova vida
Pretende
Iniciar?

Ou ainda o casal
Frio e rijo prestes
A ser consagrado?

Dobram os sinos.

Talvez anunciem
O rebento que
Já no parto se fez
Frio e rijo.
Virou Finado!

Afinal: por quem os sinos dobram?

Élcio

setembro 11, 2010

Fim de ciclo

Beijo-te manso;
Como manso chega a morte ao justo.
Beijo esse teu corpo que tem
O frescor da brisa noturna
Que passeia por corredores,
Lápides, cruzes e mausoléus
Enegrecidos pelo tempo(...)guardados por
Anjos altivos, e de olhares perdidos.

Desejo-te tanto, quanto
A aurora o amanhecer;
Como a moça em se fazer mulher,
Como a mulher em se fazer mãe.
Como o ocaso as estrelas.

Não desejo que sejas minha vida. Não!
Personifica-te em minha morte,
Pois, quero-te como tal.

Enigmática enquanto que sensual,
Silenciosa e pontual,
Pois, ainda no berço,
Já sabia que serias minha.

Não te facas de rogada
Quando aportares em meu leito.
Antes, incendeia-me por inteiro
Percorre meu corpo,
Devora-me aqui minh’alma,
Ali minhas entranhas;
Até limpar voraz,
Aos meus ossos
Ocando meus olhos.

Por fim, quero-te sem ciúmes,
E um tanto promíscua,
Como promíscua é a morte,
Embora paradoxalmente fiel.

E feliz, deixar-te-ei meu sorriso mais pulcro.
“Porque o túmulo sempre há de entender o poeta.”

Élcio

agosto 22, 2010

O Vento Sul

O vento sul se anuncia
E enruga as águas faceiro.
A rapariga em sua Indolência
Até crê no amor verdadeiro.

O vento que devora a jangada
Infla a vela, buli a rapariga
Que ali no madeiro estirada
Um sonho de amor abriga.

O vento sul devora a vela
E a jangada esta a bulir.
Infla a rapariga e ela

Sonha sobre o madeiro
Com os dedos a bulir...
E sonhar o amor verdadeiro

Élcio

agosto 12, 2010

Tua corte

Corro ao teu encontro.
Quisera ter outra escolha,
Quiçá meter-me num antro
Ou num colo que me acolha.

Penso embarcar no primeiro navio, fugir
De ti e lá pelas tantas algo haveria de urdir.
Assim, amarras soltas e meu rumo a corrigir;
Por hora sigo a assoviar “O dom de iludir”.

Dias, noites...hei de conhecer oceanos, mares;
Bares onde beberei bons vinhos. Terei
Bons charutos além de belas mulheres.

Mas, quando um dia vir-te fazer-me a corte,
Então do cálice servido por tuas mãos Beberei,
Pois, tu és a dama das trevas. Tu és a morte.

Élcio

julho 26, 2010

Codinome saudade

E o fim há muito anunciado
Agora abria as portas do inferno
Para se mostrar, para ser encarado.
Adeus sonhos de amor eterno!

Ali ela decidiu e sacramentou:
“Era a última vez que choraria
Por ele, acabou. Bastou”.
Dali em diante tudo mudaria.

E desligaram seus computadores.
Cada qual em seu escuro quarto,
Curtiriam por horas a fio as suas dores.

“A noite enorme, tudo dorme, menos o teu nome”.
E o dia nasceu e das lembranças fez-se o parto.
Nasce a saudade; para ambos o codinome.

Élcio

julho 19, 2010

Sonhos empalados

Os sinos da catedral estão moucos
E um vento frio transpassa o peito.
Esvoaçam meus sonhos poucos
Sensatos, já do lógico, nada afeito.

Quantos sonhos foram empalados
E, que ficaram para trás, nas paralelas
De meus caminhos empoeirados?
Jamais sepultados. Mazelas!

À frente, anjos frios e estáticos
Aguardam-me os derradeiros
Passos; vacilantes e patéticos.

Creio que quando o novo atirar sua lança,
Virá que eu vi; no flamejar dos candeeiros,
A única chama (tênue) dessa tal esperança!

Élcio

julho 06, 2010

O bazar de Dom Quixote

Fato é que por ser probo
Vendo meus sonhos. Os pequenos!
A preços módicos os mais serenos.
Já os que foram filhos de Érobo(*)

De graça estarão caros.
Penso passar adiante
Meu bom Rocinante
Jamais afeito a puxar carros

Arados, bigas, nada do tipo.
Tão preguiçoso quanto Ruço,
Porém, fiel como o sol aos céus.

Vida alucinada, de ti me dispo!
Sereno e sem maior reboliço.
Dulcinéia amada guarda-me sob seus véus!

* Filho do caos. Considerado o próprio inferno.

Élcio

junho 26, 2010

Pela rua da minha infância

Pela rua da minha infância,
Tinha leiteiro de carroça,
Tinha quitanda, frutas na bacia.
Tinha o pianista que mostrava à moça

O caminho em preto e branco
Por onde seus dedos passeariam;
Tinha a vizinha solteirona Lalá Blanco
E sua solidão que todos percebiam;

Estampava sua janela fechada. Mouca.
Tinha na esquina o barbeiro magricela
Chegado à cachaça e em boa fofoca;

Ali se sabia da vida de toda clientela.
Tinha missa e eu coroinha a essa época.
A bênção padre José (que hoje é estrela).

Élcio

junho 18, 2010

Ponto e Vírgula

Sob a janela começo a declamar um poema
Quando súbito, engulo um ponto e vírgula.
Eu que não tenho garganta de Ema
Engasguei, tossi, tossi: ENGULA!

Ordeno afônico ao cérebro que se fez
De desentendido. Assim, lá se foi a introdução
Daquela serenada que ali mesmo se desfez,
Ou melhor, fora natimorto na intenção,

Afinal, esquartejei o poema. Ficou sem pé nem
Cabeça. Recomeço, mas, não sem o temor
Do ponto e vírgula... E nele gaguejo; pasmem!

Todos riram de mim. Do irmão (dela) escondido
À vizinha que no escuro espiava meu tremor.
Tenho comigo que foi praga de ex: ou de cunhado!

Élcio

junho 14, 2010

A Cantina

Nesses tempos de mercados globais
Onde balançam bolsas (de valores)
Ou de tolas madames (temporais);
O gelo é (de-gelo) e entre horrores

Tantos eu que nunca tive eira,
Fito a manequim no traje de organdi
Imóvel e silente com um sorriso de caveira
Na cara. Serei eu um projeto de dândi?

Penso eu: ao ponto de meter-me a cacique
Aristocrata ou qualquer tolo que imagina
Ser o mundo de diversões, um parque

Onde todos falam como numa cantina?
Que o diga o Protocolo de Kyoto e explique
Porque o mundo está na mira de uma carabina.

Élcio

junho 08, 2010

Assim

Deixa eu te querer assim
Feito bicho do mato, lascivo,
Em lençol amarrotado...carmesim,
Ora felino, ora apenas inofensivo.

Quiçá perca de vez o tino
Isso pouco me importa.
Contudo, ferve o sangue latino,
Sempre que irrompes por essa porta.

Dá-me teu corpo e não te arrependas.
Antes, contudo, dispa-se de todo pudor
E traze-me esse olhar puro e sem dor.

Por esse seu mundo, pago prendas,
Suicido "n" vezes com bala de festim.
Mas, suplico, venha exatamente assim.

Élcio

maio 28, 2010

Amo Você

Tanta coisa que agora eu queria te dizer,
Mas o silêncio é mais prudente no momento.
Esquecer-te seria possível? Deus o que fazer?
Você faz parte de mim. Na paz, no tormento!

És minha vida, minha história,
A fase mais feliz da minha vida.
Só peço-te que não encare a história
Do meu silêncio como sinal de partida.

É apenas uma maneira de me defender
Dessa saudade insuportável que meu peito guarda!
Tantas vezes tenho vontade de ligar: você atender,

Ouvir tua voz, e num sussurro quase inaudível e doce
Pedir a você que entre pela porta do quarto, que guarda
E guardará sempre as nossas noites. Amo você.


Élcio

maio 21, 2010

Mundo que passa

Quando amanhã essa memória falhar
E o vento minuano não mais soprar
Esperanças, quiçá memórias a farfalhar
Numa última poesia, eu venha assoprar

Ainda que sejam palavras ácidas
De humor duvidoso, a rima suspeita.
Flechas, minhas flechas serão lançadas
A ti cronos que há muito me espreita.

“E mereço esperar mais do que os outros, eu?”
E agora essa lamúria que nos lábios revolve a língua!
Outrora declamaram desde sob janelas ao ateneu!

“Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti".
O celeiro das poesias já se escasseia. Míngua
E breve hei de escrever o último poema (para ti)!

Aspas para: Legado - Drummond

Élcio

maio 16, 2010

Porque faz frio

Lá fora um frio cortante
Foi o que me restou e que,
Da noite se fez amante.

Amante que esquadrinha,
Sórdido, todos os cantos
Corpos, corações linha a linha.

Aqui, um silêncio pesado
Agora se fez latente.
Sequer um adeus. Passado!

Ao longe toca Bastidores.
Queria bisar. Impossível,
Pois queria você: Alhures!

Porque faz frio.

Élcio

maio 07, 2010

Um pé de formosura

Junto à minha rua tem um pé de formosura
Que foi gerado e fecundou a terra no dia
Em que ela ali deixou uma lágrima cair.

A menina que passava confidenciou-lhe
Um sonho de menina-moça e um botão
Ali se fez flor, abriu e perfumou.

Assim, o pé de formosura cresceu, cresceu,
Alguns dizem que jamais parou e
Que há muito oscula as estrelas.

Ósculo que faz de cada estrela
(Mesmo a mais silente) uma confidente
E que a cada confidencia é gerado uma flor.

Flor, flores tantas há que o céu virou jardim
E só em uma ocasião a flor se solta.
É quando o pedido (confidente) é atendido.

Apenas e tão somente nessa condição
A flor se solta e a plainar, desce, desce,
Indo beijar suas raízes para ali jazer.

Junto à minha rua tem um pé de formosura.

Élcio

abril 29, 2010

O jagunço que virou designer

Enquanto lia Guimarães Rosa eu sonhava.
Queira ser jagunço, dos mais corajosos.
Mas, jagunço que punhal empunhava;
De andar acoitado, conluiado ou a sós.

Jagunço de cavalgar ou ainda rastejar,
Situações que apenas a vida ordenaria.
Contudo, o fato é que nem sempre desejar
É suficiente, assim, me joguei na montaria

Do tempo e a abracei com as pernas. Cavalguei;
Sem armas, muito menos ato heróico.
E foi desse modo que em outros sonhos vaguei.

Porém, agora nesses sonhos tinham históricos,
Notas bimestrais, tese e dissertação, tudo metódico.
Fiz-me designer e troquei o punhal por rabiscos.


Élcio

abril 24, 2010

Mas...

Eu amo poesia,
Eu leio poesia,
Eu escrevo poesia,
Mas, não as entendo.

Eu amo mulher,
Eu leio mulher,
Eu escrevo mulher,
Mas, não as entendo.

Élcio

abril 16, 2010

Alcova

Na alcova, à meia-luz reinava
Uma cumplicidade e uma entrega
Que outrora foram tão desejadas
Quanto um dia de sexta-feira!

Era quando então, as carnes desnudas
E cheias de pecado, eram ali expostas
No silêncio dos nossos olhos famintos.

Os lábios mal se continham
E a língua retesada sofria
(No momento que a tudo antecede)
De uma agonia quase antropofágica.
...

Na alcova, à meia-luz... às sextas-feiras.

Élcio

abril 05, 2010

Amo-te tanto, tanto!

Amo-te tanto meu amor, creia,
Não sei blasfemar juras.
Amo-te livre meu amor, sem peia,
Sem agouro das criaturas

Que inglórias, vagam pelo limbo,
Desprovidas de amor por não o conhecer.
Esses jamais terão o nimbo,
Luz das almas, e sim o padecer.

Amor que quase transcende a razão.
Sim meu amor! Quase, pois que se fosse todo
Eu não suportaria tamanho o espanto.

Amo-te qual santo, qual bicho solto. Engodo
Profano e paradoxal, mas amo-te tanto, tanto
Que não importo se trago (ainda) os pés no lodo.

Elcio

abril 01, 2010

Essa mulher

Estrelas dos céus, não vislumbro mais seu fulgor,
Desde o dia, que aquele par de olhos fitou-me
E de luz fartou minha alma!

Agora gozo da leveza dos pássaros
Que mergulham no azul do céu
Em busca das estrelas escondidas.

Hoje posso tudo; desde vencer dragões,
Passear por entre as estrelas,
Dormir em seu corpo.

Mas, estrelas emprestem-me seu silêncio,
A fim de que ninguém amanhã possa saber
O nome dessa mulher.

Élcio

março 22, 2010

A dama da noite e o colibri

Deixei nas Minas Gerais os meus rastros
Pelas montanhas verdejantes,
Entremeio as trilhas dos carros-de-boi.
Os pés nus a pisar o orvalho, a
Terra vermelha, terra de massapé.
Fogão na janela, de lenha.
O cheiro do café no bule a fumegar.
Colibri esnobe bailou
Pela moldura da minha janela.
Deu ré, serpenteou e como um raio
Desapareceu, escafedeu-se
Em meio a tantas cores.
Colibri de vôo rasante!
A dama da noite ficou à tua espera;
(Como alguém por mim).
Algo ficou perdido entre o vir e o não ir.

O bolo é de fubá, cravo e canela,
A touceira de capim cidreira
No pé da porta é contra o mau agouro.
Vida danada! Cria raízes
Na gente prá mode de nunca mais tirá.
E já não há mais como deixar de sentir
Essa dor a futicar nas entranhas.
Dor malvada que tantos chamam saudade.
- Esconjuro.

Novembro vem com céu de brigadeiro e
Traz as jabuticabas, xô passarim!
Antes, porém, as suas flores explodem.
Colibri incestuoso! Quem te ensinou
A todas beijar, a todas cortejar,
Mas sem a nenhuma pertencer?
Uberaba (das sete colinas)
Um dia eu ainda volto.

Élcio

março 15, 2010

O meu amigo Pisquila

Pisquila era um mosquitinho.
Nada mais que um ponto escuro
Na luminária sobre a cama da amada.
No meio, um corpo nu da mulher
Que hipnotizava-o dia após dia.

Isadora jamais percebera, mas fora fruto
De um amor platônico, e como
Tal era todo silencio e discrição tão
Quanto a penumbra de seu quarto.

Pisquila passara toda a sua vida
(bem verdade que de poucos dias)
Ali, a observar o seu amor.
Conhecia cada curva daquele corpo.

Onde ela costumava tocar-se
E como costumava fazê-lo.
Só uma coisa aborrecia¬-o:

Era quando havia mais um corpo
Naquela cama. Nessas ocasiões
Pisquila ficava pra baixo e até
Deixava a luminária para só retornar
Horas mais tarde, quando
Nos lençóis em desalinho
Sua Isadora dormia exausta. (E só).

Essa visão tinha um sabor agridoce
Para o meu amigo Pisquila.
Que velava-lhe o sono.
Contudo, como o amor é cego
Cegou o meu amigo Pisquila.

Mas não a Maria Tereza.
A lagartixa.

Élcio

março 02, 2010

Ausência

O berço vazio e triste
Sem o lume da inocência.
A fragata com mastros em riste
Vaga solitária na indolência

De um mar abissal tão escuro quanto triste.
Nos portos, as viúvas prenhas de inocência
Carregam solidárias os seios fartos, em riste.
E nos ventres a vida se arrasta. Indolência!

Nos lençóis, a solidão por não mais ter o cheiro
Das aventuras de seu homem; tão impregnada na pele
Queimada de mar, iodada, tatuada. Corpo trigueiro.

Sobre seu corpo, não mais o peso daquele
Braço a repousar cansado e verdadeiro.
No ventre um mar e a gaivota silente e leve.

Élcio

fevereiro 16, 2010

Ensaio do amor distante

"Aos olhos da saudade
como o mundo é pequeno"
Charles Baudelaire


Um amor quando distante,
Machuca esfola, maltrata.
É noite é desespero que
Come a carne da gente.

E quando esse amor vive em segredo
É ainda pior, pois na saudade
Mora a vontade de chorar.
Mas isso não lhe é permitido.

Então, vem uma vontade
De gritar o seu nome.
Aos quatro costados.
Mas isso não lhe é permitido.

Você é prisioneiro em seu próprio peito,
Enquanto que algoz de si mesmo.

Quando o amor existe em segredo
Dilacera as entranhas, sufoca o peito,
E esse claustro fica deveras pequeno.

Na alma, a mortalha da saudade
Comprime-te, mas também isso
Tem que ser segredo e você sorri.

E tentará contentar-se quando vir
A ampulheta do tempo a girar, girar, girar.

Talvez, mas apenas talvez, seu amor
Também sofra agora. Mas, nem isso é certo.

Seu amor talvez possa estar
Mais distante do que se imagina.
Talvez tão distante que você nem mais o alcance.

Talvez seu amor tenha se cansado
De sofrer de ausência (sempre tão presente).
E tenha saído para balada. Talvez, apenas talvez,
Tenha encontrado alguém que se fez interessante;
Alguém que se fez próximo. Talvez próximo até demais.

E essa dor é lancinante,
Tanto que a vontade de se matar
Já se apresenta plausível.
Talvez plausível até demais.

Dirão: é a lei da selva!
Sim. Pode ser!
Mas, um amor quando distante
Metamorfoseia-se na saudade.
Esse veneno da alma da gente
Que tem por cria o ciúme.

Ciúme que se alimenta de dúvidas
Numa antropofagia insana
E isso mata a gente quando o amor
Tem que ser distante e em segredo.

Élcio

fevereiro 09, 2010

A morte é doce como um sábado no parque

Quando paridos,
Recebemos da morte
Sua chancela
Num sussurro: Voltarei.

Nossa primeira certeza.
É tão certo, mas tão certo quanto
O amor de mãe.

Frágeis chorões que somos
Embalam-nos nas cantigas.
E sonhamos adolescentes o que
Às vezes realizamos adultos,
Até que velhos, curvamo-nos
Num dia de sábado.

É dia de parque,
Algodão doce na boca
E carrossel a girar.
Carrossel que jamais parou
Girou criança,
Girou adolescente
Girou adulto, mas
Gira agora com preguiça. Lento.
Escurece-nos as vistas,
O som do realejo diminui
E tudo gira; como o carrossel.

É o sinal (há muito temido)

Ao menos na boca tem
Algodão doce.

Ela voltou para
Cumprir a sentença.

O carrossel parou. Ouvidos moucos
Nenhuma voz. Nada.

O algodão doce está no chão.

Quando desencarnamos
Recebemos da morte
Sua chancela
Num sussurro: Voltei.

Élcio

(Àquele que chegou: Meu querido Moisés)

janeiro 25, 2010

Aquarela

Eu pintei com nanquim o meu mar.
De branco pintei a areia, fina areia
E obtive, assim, um espumar
Com rajadas brancas. A mancheia

A maresia salpiquei com cravo e canela.
Pus no alto da rocha o vento Sul a pentear
Seus cabelos negros (como o mar). Da janela
De seus olhos castanhos usei a luz para nortear

A vida dos marujos e suas caravelas
Notívagas, infladas de ar e de ambições,
Sempre dispostos a abalroar cidadelas.

Aquarela de contrastes delicados, sensações
De paz e de guerra, homens rudes e donzelas
Sereias: cantos e contos num mundo de seduções.

Élcio

janeiro 16, 2010

“Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei.”(*)

Quando findar mais essa encarnação
Não quero corbelhas com frases douradas,
Nem prateadas, dispenso essa obrigação.
Coisa que não faço conta são as despedidas.

Aos amigos peço apenas uma flor de Liz,
Uma cova que não seja rasa por demais
E algumas belas palavras, escritas com giz
Quiçá! Basta que impressione os demais,

Principalmente algum credor que por certo,
Há de estar à espreita de meu advogado
A fim de cobrar o que agora se fez incerto.

Espero assistir (meu velório) ao meu lado,
Mas enquanto o caixão estiver aberto.
É que morro de medo de ficar entalado.

(*) Allan Kardec, saiba mais aqui.

Élcio

janeiro 11, 2010

A menina e o vento no ventre

Um vento tão malicioso quanto safado
Pelas pernas da menina foi se meter
E ali rodopiou, rodopiou inebriado
A beijar-lhe as coxas; e nada temer.

Do rosto da menina rouba as cores,
As maças e descompassa-lhe o coração;
O corpo arde numa onda de calores;
Já no olhar, há uma velada satisfação

Que aos olhos faz cerrar: sonolenta!
As mãos sobre o ventre espalmadas
Buscam segurar toda tormenta...

Foi-se o vento, ficaram as coxas molhadas
Da menina-moça, que agora recorda na ponta
Dos dedos o vento safado e suas bolinadas.

Élcio