novembro 03, 2013

Lembrança

Como és forte: lembrança!
És deusa ou semideusa (guerreira)
Que traz à ponta de sua lança
O fel que unta a pederneira?

Chegas, assim, apenas chega
Num olhar perdido olhar
Que nada traduz, apenas chega.
Teu prazer: nossa alma enxovalhar

Vilipendias o túmulo. Execração!
Há muito lacrado e silente.
Nele buscas a ressurreição

Daquele sentimento outrora inocente
Que teve o frescor da adoração

Mas o ocaso deitou-o ... no poente!

Élcio

junho 27, 2013

Sonhos empalados

Os sinos da catedral estão moucos
E um vento frio transpassa o peito.
Esvoaçam meus sonhos poucos
Sensatos, já do lógico, nada afeito.

Quantos sonhos foram empalados
E, que ficaram para trás, nas paralelas
De meus caminhos empoeirados?
Jamais sepultados. Mazelas!

À frente, anjos frios e estáticos
Aguardam-me os derradeiros
Passos; vacilantes e patéticos.

Creio que quando o novo atirar sua lança,
Virá que eu vi; no flamejar dos candeeiros,
A única chama (tênue) dessa tal esperança!

maio 30, 2013

Sertão do demonho

Eu cuspi na terra rachada
Do sertão que nem molhar
Molhou; não vingou molhada.
Terra dura pra ser vivente; pra olhar.

Diabo do meio do redemoinho
Saltou e dançou, dançou aluziu.
Cuspiu na minha cara. Demonho...
Cravejo-te de bala na ponta do fuzil!

Sertão é vida e morte sertão. Melindroso!
Ou ele ajuda ou é traiçoeiro predador.
Há que ter valentia ante o desastroso;

Esquecer que vida tem. Vale nada!
“O passado é ossos em redor

De ninho de coruja.” É navalhada.

Élcio (quando lia Grande sertão: veredas)

maio 22, 2013

Amor sem sombras


Dou-te minha paz, meu corpo.
Sereno quando disto do teu,
Próximo sou rijo, sou Édipo
Sou crente, pagão. Sou ateu.

Ouvi de amigos tantos:
Paixão assim não existe.
A não ser para os tontos
E diziam com dedo em riste.

Revi então meus conceitos
Tentei calcular o tamanho
De meus sentimentos
E sempre me via em teu ninho.

Imerso em teus braços,
Perdido em teu corpo.
Hoje me encontro em teus laços.
Atado, preso e jogado ao limbo.

Nunca vivi nada parecido
A este mundo, nunca, jamais.
Mundo de entrega. Esquecido
Livre de mazelas. Meu cais.

Há quem possa duvidar,
Não dar créditos às minhas juras.
Dirão serem palavras a olvidar,
Falácia, um amontoado de mentiras.

Assim, sigo entregue a essa mulher.
Com todas, todas as fibras
De meu corpo. Cada uma a arder
Por ti. Sou amor: claro e sem sombras.

Élcio

maio 05, 2013

A morte é doce como um sábado no parque


Quando paridos
Recebemos da morte
Sua chancela
Num sussurro: Voltarei.

Nossa primeira certeza.
É tão certo, mas tão certo quanto
O amor de mãe.

Frágeis chorões que somos
Embalam-nos nas cantigas.
E sonhamos adolescentes o que
Às vezes realizamos adultos,
Até que velhos, curvamo-nos
Num dia de sábado.

É dia de parque,
Algodão doce na boca
E carrossel a girar.
Carrossel que jamais parou
Girou criança,
Girou adolescente
Girou adulto, mas
Gira agora com preguiça. Lento.
Escurece-nos as vistas,
O som do realejo diminui
E tudo gira; como o carrossel.

É o sinal (há muito temido)

Ao menos na boca tem
Algodão doce.

Ela voltou para
Cumprir a sentença.

O carrossel parou. Ouvidos moucos
Nenhuma voz. Nada.

O algodão doce está no chão.

Quando desencarnamos
Recebemos da morte
Sua chancela
Num sussurro: Voltei.

Jaraguá do Sul, SC
Ao meu querido Moisés.

abril 15, 2013

Eu...seminu


Eu quero o vento forte
Na cara em dia quente
E uma preguiça de morte,
Quase que entediante.

Eu quero o lábio gelado
No sorvete de mangaba.
Quero o beijo encantado,
Qual as tardes de Uberaba.

Mas, que seja de modo tão intenso
Que mesmo depois pelas ruas, avenidas
E praias, venha a ser apenas no que penso.

Eu quero um dia responsável.
Sem terno nem gravata: Seminu;
Como um soneto (...) Quase sem rimas.

Élcio

abril 04, 2013

O Medo


“Homem foi feito para o sozinho? Foi. Mas eu não sabia.”
Riobaldo – Grande Sertão:Veredas

O medo da gente vem num sopro.
E nos atinge e nos tange e nos marca, mas, não nos abandona.
Como o diabo
Na noite de nossa encruzilhada.
Encruzilhada de terra batida, terra massapé.
O diabo das nossas batalhas.
O diabo nas nossas batalhas sem sentido. Só batalhas.
O diabo que nos tira do peito a nobreza e deixa um coração falido
Que na noite sem lua, espreita de soslaio à morte na parede de adobe em cal.
Na parede, cravada com trinta e cinco facadas, há um corpo que sangra. É Severino Silva não é São Cristóvão é Severino apenas; um cangaceiro que já  acusa o hálito da morte em suas ventas.
Nas suas feridas pousa a primeira mosca-varejeira que sem perda de tempo, põem-se a lamber-lhe a carne exposta: crua, vermelha, em posta.
Pendurada ao lado, na corda de sisal, um corpo de mulher, ainda balança;
Pálida em cera, sob as cores vivas da chita. A morte!
Na cara de terror, lábios roxos, os olhos arregalados, já não têm lume.
É a escuridão é a solidão de cada um no momento da morte.
“O sertão é sem lugar”.
É a tragédia é a guerrilha urbana nossa de cada dia que nos trás essa herança fria, rija e feia em cadáveres da desesperança.
Cadáveres de ouvidos moucos que jamais ouvirão outra vez os sons do sertão: desde o silêncio do velho Chico que lambe com suas águas os barrancos e as canelas dos meninos, até o carcará, o bem-te-vi, o socó, assumpreto, o rasga-mortalha, o irerê e o xexéu: aves do nosso céu.
Tão pouco os sons da metrópole: As sirenes apressadas as buzinas histéricas, as árvores poucas, algumas nuas pelas ruas duras...agressivas.
O último suspiro e fecham-se as suas janelas em crime e castigo.
A quem fica, cabe a peleja do dia-a-dia e essa gastura que cansa os ossos, os nervos maltrata, e enche a algibeira com os medos que o coisa ruim, descobre e planta na gente.
Na metrópole e no sertão tudo se fez caos, como o caos do universo misterioso de Diadorim em suas dualidades.
Deus e o capeta. Vida e morte, carinho e receio. No sertão o afago é órfão; na metrópole também.
É o sertão nosso de cada dia, o medo nosso de cada noite, e a fumaça presa na garganta.
Em cada alma há um sertão.
“O sertão é o mundo”!
É um emaranhado de vidas e histórias sob a complacência das estrelas.
Estrelas dos sertões de todos nós em nós atados, já que:
“O sertão está em toda a parte”.

O medo também!

Élcio

março 29, 2013

Ela chorou


Ela chorou e tudo foi tão lindo
Que o mar em seus olhos
Apequenou-se tímido, indo
E vindo a beijar os abrolhos

Abissais onde seu olhar lânguido;
Perdido ao distante buscou na bruma
Silente o véu que ao ser erguido
Mensurou um coração pela pluma

Nas mãos de Anúbis deus!
Foi quando então, o universo parou
O nada se fez todo num semideus

E o caos foi ser vivente, existindo
Na lágrima que de seus olhos rolou.
Ela chorou e tudo foi tão lindo!

Élcio

março 26, 2013

Forasteiro

Primeiro ouvi tua voz, forte, muito forte.
Lembras-te ainda daquela reunião?
Era-me tudo novo. E eu ali, sem norte;
Que chatice! Cada um, uma opinião,

Mas o tédio desfez-se quando
Deparei-me, frente a frente
Com você. E eu ali, admirando
Aquela mulher, contagiante.

Dona de um olhar tão verdadeiro
Quanto as matizes de seu mundo
Mágico. E eu ali, um forasteiro

Inebriado (a despertar de sono profundo),
De um sonho bom, porém, agora no cativeiro
Dessa mulher. E tudo aconteceu em um segundo.

Élcio

março 23, 2013

Por quem os sinos dobram?

Dobram os sinos
e estão a anunciar!

Será o rebento
Prestes a ser bento
Pelo batismo sacrossanto?

O casal de nubentes
Que também nova vida
Pretende reiniciar?

Ou ainda, o finado
Frio e rijo que agora
É ótima pessoa?


Dobram os sinos
e estão a anunciar!


Será o finado
A ser bento
Que também
Nova vida
Pretende Iniciar?

Ou ainda, o casal
Frio e rijo prestes
A ser consagrado?


Dobram os sinos
e estão a anunciar!


Talvez anunciem
O rebento que
Já no parto se fez
Frio e rijo.
Virou Finado

talvez até...

Do casal de nubentes.

Afinal: por quem os sinos dobram?