março 22, 2010

A dama da noite e o colibri

Deixei nas Minas Gerais os meus rastros
Pelas montanhas verdejantes,
Entremeio as trilhas dos carros-de-boi.
Os pés nus a pisar o orvalho, a
Terra vermelha, terra de massapé.
Fogão na janela, de lenha.
O cheiro do café no bule a fumegar.
Colibri esnobe bailou
Pela moldura da minha janela.
Deu ré, serpenteou e como um raio
Desapareceu, escafedeu-se
Em meio a tantas cores.
Colibri de vôo rasante!
A dama da noite ficou à tua espera;
(Como alguém por mim).
Algo ficou perdido entre o vir e o não ir.

O bolo é de fubá, cravo e canela,
A touceira de capim cidreira
No pé da porta é contra o mau agouro.
Vida danada! Cria raízes
Na gente prá mode de nunca mais tirá.
E já não há mais como deixar de sentir
Essa dor a futicar nas entranhas.
Dor malvada que tantos chamam saudade.
- Esconjuro.

Novembro vem com céu de brigadeiro e
Traz as jabuticabas, xô passarim!
Antes, porém, as suas flores explodem.
Colibri incestuoso! Quem te ensinou
A todas beijar, a todas cortejar,
Mas sem a nenhuma pertencer?
Uberaba (das sete colinas)
Um dia eu ainda volto.

Élcio

março 15, 2010

O meu amigo Pisquila

Pisquila era um mosquitinho.
Nada mais que um ponto escuro
Na luminária sobre a cama da amada.
No meio, um corpo nu da mulher
Que hipnotizava-o dia após dia.

Isadora jamais percebera, mas fora fruto
De um amor platônico, e como
Tal era todo silencio e discrição tão
Quanto a penumbra de seu quarto.

Pisquila passara toda a sua vida
(bem verdade que de poucos dias)
Ali, a observar o seu amor.
Conhecia cada curva daquele corpo.

Onde ela costumava tocar-se
E como costumava fazê-lo.
Só uma coisa aborrecia¬-o:

Era quando havia mais um corpo
Naquela cama. Nessas ocasiões
Pisquila ficava pra baixo e até
Deixava a luminária para só retornar
Horas mais tarde, quando
Nos lençóis em desalinho
Sua Isadora dormia exausta. (E só).

Essa visão tinha um sabor agridoce
Para o meu amigo Pisquila.
Que velava-lhe o sono.
Contudo, como o amor é cego
Cegou o meu amigo Pisquila.

Mas não a Maria Tereza.
A lagartixa.

Élcio

março 02, 2010

Ausência

O berço vazio e triste
Sem o lume da inocência.
A fragata com mastros em riste
Vaga solitária na indolência

De um mar abissal tão escuro quanto triste.
Nos portos, as viúvas prenhas de inocência
Carregam solidárias os seios fartos, em riste.
E nos ventres a vida se arrasta. Indolência!

Nos lençóis, a solidão por não mais ter o cheiro
Das aventuras de seu homem; tão impregnada na pele
Queimada de mar, iodada, tatuada. Corpo trigueiro.

Sobre seu corpo, não mais o peso daquele
Braço a repousar cansado e verdadeiro.
No ventre um mar e a gaivota silente e leve.

Élcio