junho 25, 2014

Andança

Andei pelas Minas Gerais em minha infância, andei por cidades que jamais retornei, uma ou outra revi, mas que não me deixaram saudade alguma. Viraram pó levantado e remexido que o vento se aprazou em espalhar aos quatro costados para nunca mais.
Numa delas o amor quis me olhar, mas foi bem de soslaio. Não desejou me encarar, nem eu a ele. Foi risco n´água e tal qual, se desfez!

Mas tive medos, eram medos de criança; quase sempre à noite - alguns carrego até hoje - Medos de morte, mais da morte que do demo, o coisa-ruim, o cramunhão, afinal, segundo minha santa avozinha - que Deus a tenha - o coisa-ruim tem gozo numa barganha e sendo assim, poderia eu até permutar, se fosse o caso, aquilo o que de mais meu fosse: sonhos, desejos, vontades medos; amores talvez, alma...quem sabe?! Dependeria da volta, da oferta e da ocasião.

Mas não me tenha por uma pessoa valente, dessas de andar esquio, com peito arreganhado e palito por entre meio os dentes. Não, nunca fui valente, tanto que ao deitar, não pregava os olhos antes de três pai-nosso e três ave-marias já que algumas noites costumavam ser longas, longas demais e nessas noites de travessias sem fim pra meu espirito eu sequer levantava para urinar. Me apertava, retorcia, gemia, mas não colocava o pé no chão enquanto o astro-rei não alumiasse tudo, tudo e as trevas malditas da noite fossem todas elas queimadas, como as bruxas voadoras o eram no passado. E assim, pela fé pouca nos meus santos esse demônio teimava deitar morada no meu peito a fim de me meter medo.
Gritei por ele para que se mostrasse e nada. Não pode ser ser vivente: Ele não tinha carnes de comida da terra, não possuía sangue derramável...” não, o demônio não é vivente, não é coisa de Deus, nem é coisa de Nosso Senhor Jesus Cristo, vencedor de toda treva e também dessas minhas valas abissais onde se enclausuram todos meus medos...medos de coisas dessa vida e de coisas que não se toca é o etéreo.

Não contei, mas nessas viagens sempre tinha meu pai ao lado, homem de pouca fala e riso nenhum; nunca soube nada dessas coisas que me carcomiam as entranhas. Eu por minha vez nunca soube se andava acompanhado ou só com meus devaneios! Caminhava apenas, e assim ia, dia contra dia; alinhavado e costurado pela noite de cada um!

Por quantas estradas de terra empoeirada e esburacada andei, ladeadas por barrancos que carregavam cercas farpadas não sei precisar. Tantas curvas, tantas retas foram; paralelas empoeiradas. Na boleia do caminhão havia um silencio sepulcral. Boleia que a mim se mostrava como um ser alado com um vento que permeava a gente e o vento na minha cara, minha cara no vento a zunir na janela, debruçado. Solavanco após solavanco. Era de sol e poeira. O som fora da boleia além do vento, era o contínuo e ritmado rugido do motor a gasolina do velho Ford preto 57.

Ah! Na vida a gente envelhece e carece de ter memórias para que em cima delas possa repousar a carcaça que endurece e assim ofertar ao espírito alguma coisa de valia por ter arrastado as carnes da gente... carcaça que tanto valeu para o labor quanto para as paixões que a vida dá a cada um e que cada um consome como lhe apraz; uns mais, outros menos, uns consomem como o fogo que devora graveto seco das árvores empoeiradas de beira de estrada. Já outros são mais parcos, como os dias quentes e morosos das tarde de verão. Tem valia não: o fogo come. Deveras.

Elcio

2 comentários:

  1. Olá Élcio!
    A minha visão de Minas é um pouco (bem)diferente da sua, como creio que pode ver em minhas lembranças, doces lembranças de infância feliz. Mas concordo plenamente, com o final de seu belo texto. Nossas carcaças precisam de nossas lembranças! Abraços!

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  2. Querida Claudinha, minha vida em MG foi muitissimo boa, marcante mesmo. Neste texto poetizei uma gota desse período e como pode notar, influenciado por Grande Sertão: Veredas. Lógico que guardadas as devidas (e enoooormes) proporções para João Guimarães Rosa...rss Mas fui feliz, muito feliz nas terras das Minas Gerais. Bjs

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